Por Pedro Henrique Carlos Vale
A utilização de Inteligência Artificial, (IA), para o processo criativo é um avanço irreversível na sociedade. Contudo, ainda não há uma regulamentação clara sobre a matéria, especialmente quanto ao uso da IA e os reflexos jurídicos dos direitos autorais decorrentes de criações originadas por essa tecnologia.
A questão de pesquisa foi saber: quais são as implicações jurídicas, direitos e obrigações decorrentes do uso de I.A no processo criativo? O objetivo foi investigar as implicações jurídicas, direitos e obrigações decorrentes do uso de I.A no processo criativo. Metodologia: Bibliográfica, com coleta de dados em artigos, legislação e livros.
Os dados colhidos foram discutidos por meio da análise de conteúdo. Os resultados revelaram que o desenvolvimento de IA está crescendo de forma exponencial. Agências de publicidade, designers, editores de vídeos, produtores musicais, compositores, redatores, escritores, estão empregando a tecnologia para desenvolvimento de novos trabalhos, acelerando o processo de criação e escalando a produção de conteúdos e novas criações. Cada setor da economia, pública ou privada, apresenta reflexos jurídicos e peculiaridades específicas, as quais necessitam de uma abordagem jurídica uniforme.
O principal desafio do Poder Legislativo na elaboração do Marco Legal da Inteligência Artificial, é equilibrar o interesse da sociedade e da economia, tanto pública quanto privada, sem violar prerrogativas legais já estabelecidas.
INTRODUÇÃO
O campo da propriedade intelectual divide-se basicamente em duas categorias principais: Direitos Autorais, regulado pela Lei 9.610/98, (LDA), e Propriedade Industrial, abrangida pela Lei 9.279/96, (LPI). Embora sejam institutos jurídicos distintos, ambas são espécies de Propriedade Intelectual. Por vezes, é possível que uma nova criação receba dupla proteção. Uma obra utilitária pode possuir proteção autoral. A proteção de obras utilitárias não impede que a forma artística também esteja protegida pelo Direito de Autor.
Todo ato físico literário, artístico ou científico resultante da produção intelectual do homem, criado pelo exercício do intelecto, merece a proteção legal. O logotipo, sinal criado para ser o meio divulgador do produto, por demandar esforço de imaginação, com criação de cores, formato e modo de veiculação, caracteriza-se como obra intelectual. (Recurso Especial No. 57.449 – 4ª. Turma – S.T.J. –Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira – j. 24.6.1997).
A criação de uma logomarca, por exemplo, possui proteção autoral em relação aos direitos de autor inerentes ao Artista; Designer, que realizou a criação e no âmbito da Propriedade Industrial serão tutelados os direitos relacionados à utilização mercantil dessa obra, em relação aos serviços ou produto nos quais essa for registrada como marca.
O processo criativo está em todas as áreas da Propriedade Intelectual, seja no Direito Autoral quanto aos direitos de autor e direitos conexos, na Propriedade Industrial quanto a criação de marcas, invenções de patentes, desenhos industriais e programas de computadores, bem como no direito do Entretenimento, segmento conceitualmente dividido em seis principais ramos: a) audiovisual, b) mídia, c) publicidade, d) apresentações artísticas, e) editorial f) musical e a I.A está sendo utilizada em todas as fases do processo criativo, mas afinal, quem é o Autor?
A questão de pesquisa foi saber: quais são as implicações jurídicas, direitos e obrigações decorrentes do uso de I.A no processo criativo?
O objetivo geral foi investigar as implicações jurídicas, direitos e obrigações decorrentes do uso de I.A no processo criativo.
A metodologia usada foi bibliográfica, com coleta de dados em artigos, legislação e livros. Os dados colhidos foram discutidos por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 1977).
O QUE É OBRA AUTORAL E QUEM É O AUTOR?
No Brasil, a Lei de Direitos Autorais é expressa ao mencionar no seu artigo 11 que “Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica” (BRASIL, 1998, online).
Nesse contexto só existe proteção autoral, as obras criadas por pessoas físicas, excluindo assim a proteção autoral de qualquer criação artística, cientifica ou literária que não possua a intervenção humana.
Na vigência da Revogada Lei de Direitos Autorais, Lei n° 5.988/1973, em seu Art. 6º caracterizava o conceito de obra como sendo: “São obras intelectuais as criações do espírito, de qualquer modo exteriorizadas…” surgindo assim a expressão “exteriorização do espírito”, até hoje utilizada em doutrinas para expressar a contribuição pessoal do Autor, as chamadas “criações do espírito” ou “criações humanas”, sendo portanto, uma condição da Lei para se ter uma obra protegida, a intervenção humana.
No Art. 7° da Lei de Direitos Autorais 9.610/1998,
São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro […] (Grifo nosso).
Quer dizer, então, que as obras criadas sem intervenção humana, ou criadas por Inteligência Artificial não possuem proteção autoral? Essa discussão é anterior ao advento da Inteligência Artificial.
Um caso cômico repercutiu no ano de 2016, quando o fotografo britânico David Slater relatou ter tido sua câmera subtraída por uma macaca em um Parque na Indonésia. O fotografo divulgou as “selfies” registradas pelo macaco e acabou repercutindo em toda mídia “sem os devidos créditos”, afinal foram fotos feitas por um animal, ainda que com a câmera do fotógrafo (BITTENCOURT; JÚNIOR, 2016).
Plinio Cabral (1998, p. 53) defende que “o ponto de vista de que toda a fotografia deve ser protegida”, desde que seja fruto da atividade humana, decorrente da exteriorização do espírito, uma criação e intervenção humana, por se tratar de direito da personalidade.
José Oliveira Ascenção (1997, p. 419) afirma, categoricamente, que fotografias sem intervenção humana não caracterizam obra artística e, portanto, não possuem proteção autoral, tais como “uma câmera assestada sobre uma rua, que automaticamente tira dela fotografias a intervalos regulares”, ou nas “fotografias enviadas por satélites”.
Se, para a Lei de Direitos Autorais (LDA) no Brasil, autor é a pessoa física, quem seria o Autor no caso da fotografia tirada pelo macaco? no caso de fotos por satélite? ou no caso de utilização de Inteligência Artificial? Os resultados dessas criações são considerados obra autoral? Para sistema de Proteção autoral adotado no Brasil, a resposta é não.
No mesmo sentido, o “Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos”, refuta a proteção autoral para criações que não sejam decorrentes da intervenção humana, sendo o requisito de Autoria a criação do ser humano (COMPENDIUM (THIRD) § 101.1(A), 2021).
United States Copyright Office, Compendium of U.S. Copyright Office Practices 306. The Human Authorship Requirement. The U.S. Copyright Office will register an original work of authorship, provided that the work was created by a human being (COMPENDIUM (THIRD) § 101.1(A), 2021).
Por outro lado, a Lei Autoral Inglesa de 1.988 estabelece que a criação literária, musical ou artística gerada por computador, considera-se autor a pessoa por quem são tomadas as providências necessárias à criação da obra.
Lei Autoral Inglesa de 1988 – Art. 9(3). In the case of a literary, dramatic, musical or artistic work which is computer-generated, the author shall be taken to be the person by whom the arrangements necessary for the creation of the work are undertaken COMPENDIUM (THIRD) § 101.1(A)).
Em regra geral, para o atual sistema de proteção de direitos autorais adotado no Brasil, as criações derivadas de inteligências artificiais não possuem autor, por limitar a figura do autor à pessoa física, o ser humano e se não tem autor não configura obra protegida, consequentemente, inexiste proteção autoral.
Dessa forma, qualquer pessoa pode obter ajuda de uma I.A para escrever e tomar como seu o texto, ou seja, copiando e colando, sem que haja uma criação, uma investigação científica verdadeira e correta. Seria, na verdade, uma violação aos Direitos Autorais e não uma criação própria, como requer qualquer trabalho artístico, científico e literário.
COAUTORIA OU FERRAMENTA DE APOIO?
Um fator interessante para uma criação ser considerada obra protegida é o requisito de originalidade, previsto no artigo 5º, VIII da Lei de Direitos Autorais (LDA), consolidado na jurisprudência brasileira que a ausência de originalidade em uma criação autoral retira o condão da proteção autoral da criação.
Se for considerado que as criações artificiais utilizam a combinação de data mining e machine learning, o fator originalidade fica comprometido, uma vez que, o resultado alcançado decorre da criação original de vários outros Autores e criadores de obras autorais originárias, complementando, assim, a justificativa da ausência de proteção autoral em criações artificiais.
A problemática surge quando o Autor, pessoa física, o ser humano, que usou de recursos de I.A para criação de uma nova obra, omite tal informação, se declarando autor da criação, registrando assim uma criação artificial como se fosse uma criação autoral revestida de proteção autoral.
O artigo 13º, da Lei de Direitos Autoral (LDA) prevê a chamada presunção de autoria, ou seja, aquele que se identifica como autor de uma determinada obra, presume-se como se verdadeiramente o fosse.
“Art. 13 LDA – Considera-se autor quem assim se anuncia na utilização da obra” (BRASIL, 1998, online).
Já existem ferramentas que identificam a utilização de Inteligência Artificial em textos literários, obras musicais, e demais criações. A utilização de algoritmos avançados para análise da estrutura do texto e análise de padrões podem verificar o grau de originalidade do conteúdo, apresentando, ainda, indicadores e pontuações do percentual de probabilidade que o texto foi gerado por uma I.A, refletindo a confiança da ferramenta quanto à origem humana do conteúdo.
Ao termino da redação do presente artigo, o arquivo em World foi submetido para análise da plataforma ZEROGPT, para verificar qual o percentual de intervenção de I.A na criação do texto, apresentando um percentual de 13,22% acompanhado da seguinte mensagem, “Seu texto é provavelmente escrito por humanos”.
Muito embora esse artigo tenha sido integralmente escrito sem qualquer intervenção de I.A, ainda assim, a plataforma GPTZERO apresenta uma pequena participação como resultado de um suposto uso de I.A, provavelmente, relacionado ao uso de “aspas” e transcrições de artigos de lei e doutrinas durante o texto que já integram a base de dados do “Bigdata”.
Um ponto de reflexão é o uso de Inteligência Artificial como ferramenta de apoio para criação de novas obras autorais. O quanto seria aceitável, a contribuição de uma I.A, para criação de uma nova obra, sem perder a originalidade e o título de autor originário da obra criada?
Em um paralelo, a qualidade de coautor é atribuída quando a obra é criada em comum por dois ou mais autores, excluindo, assim, da qualidade de coautor aquele que apenas ajudou, revisou ou editou a obra, conforme disposto no art. 15, §1°, da LDA:
Não se considera coautor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio (Grifo nosso) (BRASIL, 1998, online).
Partindo do pressuposto da impossibilidade de coautoria entre o autor e a Inteligência Artificial, por não se tratar de pessoa física, qual o limite quantitativo e qualitativo que a intervenção de uma I.A, por analogia, poderia se enquadrar no “simples auxílio do autor”, conforme preconiza o Artigo 15º, § 1° LDA?
Para Eduardo Pimenta (1998, p. ), a
[…] proteção legal ao colaborador de obra científica, exigindo sua autorização para a utilização da mesma, tem cabimento nos casos em que participou em igualdade de condições na produção da obra, não apenas auxiliando.
Se o indivíduo, pessoa física, que simplesmente auxiliou o autor na produção da obra não carrega o título de coautor, poderia a I.A substituir essa pessoa, sem que desconfigure a criação originária do autor, fazendo dele o legítimo criador de uma obra passível de proteção?
A utilização da I.A para as finalidades prescritas no Artigo 15º, § 1° da LDA, das quais destaca-se, a revisão, fiscalização, edição, deve ser vista de forma saudável. O que deve ser coibido é a contribuição da I.A no resultado final da obra e, uma vez utilizada, cabe ao Autor de boa-fé, declarar que a criação foi decorrente da utilização de alguma plataforma de inteligência artificial.
REFLEXOS JURÍDICOS DA I.A NO DIREITO AUTORAL
O reflexo da utilização da I.A nas criações de obras é relativo para cada setor da economia. Depende da finalidade da criação, utilização e a forma de exploração dessas obras autorais / artificiais.
Em uma relação bilateral por exemplo, onde uma empresa contrata um designer para desenvolver um novo emblema, um personagem, um roteiro de um comercial, um vídeo para redes sociais ou até mesmo o elemento figurativo de uma marca, uma vez acordado entre as partes signatárias, que a criação, objeto da prestação de serviços e cessão de direitos, terá utilização de Inteligência Artificial, cabe aos contratantes a decisão de aceitarem tais condições.
Pela ótica do direito autoral, as criações artificiais desenvolvidas pelo designer do exemplo acima serão carentes de proteção autoral, entretanto, terão efeitos legais no âmbito do direito marcário (Direito das Marcas), direito empresarial, direito contratual e da propriedade industrial, para a empresa que contratou os serviços atingindo, assim, a finalidade publicitária, possibilitando o registro da marca desenvolvida pelo designer, perante o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, INPI, sendo titular do registro da marca, a empresa contratante dos serviços criativos desenvolvidos pelo designer, independentemente da utilização de alguma I.A.
Por outro lado, a utilização de I.A, quando relacionada à criação de obras lítero-musicais, para composição de uma letra ou melodia de uma música, essa relação deixa de ser bilateral, abarcando a coletividade, tendo em vista que o resultado dessa criação é explorado economicamente nos chamados locais de frequência coletiva, atingindo um conglomerado de titulares de direitos autorais, uma vez que, nesse cenário, se faz presente a arrecadação de valores sobre direitos autorais de execução pública, pelo Escritório de Direitos Autorais, no Brasil o ECAD.
Os direitos autorais compreendem: a) Direitos de Autor, atribuído ao criador da obra intelectual e ao Editor; e b) Direitos Conexos, intrinsecamente ligados à utilização e exploração da obra, por meio da fixação em fonograma, ou seja, da gravação da obra. Em se tratando de gravação de obra musical, lítero-musical, tem-se a figura dos intérpretes, músicos, arranjadores e produtores fonográficos, todos esses classificados, portanto, como titulares dos direitos conexos, decorrentes do fonograma gerado a partir da obra musical.
Em se tratando de arrecadação de Direitos Autorais, o ECAD no Brasil, é a entidade administrada por sete associações de gestão coletiva, legitimado pela Lei nº 9.610/1998, para arrecadar e distribuir os direitos autorais de execução pública de músicas.
A arrecadação de direitos autorais é devida por estabelecimentos comerciais que utilizam música em locais de frequência coletiva, como emissoras de rádio, TV, shows, eventos, plataformas de streamings, dentre outros. Com isso, o ECAD arrecada os valores por meio de critérios definidos pelas sete associações e distribui os valores de execução pública aos titulares de direitos autorais.
Desses valores arrecadados de execução pública, 6% são repassados às associações, 9% repassados ao ECAD e 85% repassados aos titulares, sendo esses divididos em: 2/3 destinados aos autores e editores, (Direitos de Autor) e 1/3 destinados aos titulares de direitos conexos, intérpretes, músicos, arranjadores e produtores fonográficos.
No ano de 2023, o ECAD distribuiu mais de 1,3 bilhões de reais para 323.614 titulares, com mais de 21 milhões de obras cadastradas e mais de 22 milhões de fonogramas cadastrados, utilizando para tanto um sistema tecnológico para identificação e distribuição dos valores arrecadados (ECAD, 2024, online).
Os valores arrecadados e distribuídos pelo ECAD são divididos por segmentos: Rádio, TV Aberta; TV Fechada; Cinema; Streaming de Vídeo; Streaming de Áudio; Shows; Casas de Festas; Eventos específicos como Carnaval e Festas Juninas; Sonorização ambiental; Música ao vivo e serviços digitais.
O segmento de sonorização ambiental, decorrente da utilização de músicas em bares, restaurantes, academias, lojas, shopping centers, dentre outros estabelecimentos comerciais, no ano de 2023, representou 4,54% da arrecadação de execução pública pelo ECAD (ECAD, 2024).
Diante da possibilidade da utilização da IA para criação de novas trilhas e músicas destinadas, especificamente, à sonorização ambiente como recepções de clínicas, lojas, restaurantes, shoppings, dentre outros, a IA é vista como uma ameaça porque uma música criada por IA não possui proteção autoral e, com isso, o ECAD perderia a legitimidade para arrecadar dos estabelecimentos que usam músicas criadas por IA.
Por outro lado, o segmento que mais cresce em arrecadação pública é relacionado às plataformas de streaming, representando no ano de 2023 quase 25% da arrecadação total do ECAD (2024).
Se a IA por um lado pode afetar a arrecadação de execução pública do segmento de sonorização ambiental, por outro, o crescimento do segmento de streamings deve ser priorizado, buscando alternativas tecnológicas para mitigar o pagamento indevido de direitos autorais para titulares de obras criadas por IA.
Apresentado o panorama geral da grandiosidade da “indústria autoral” destaca-se, ainda, outras fontes de rendimentos autorais, além da arrecadação por execução pública de competência do ECAD.
O autor não é remunerado apenas pelo ECAD, mas também, pela utilização da obra musical por outros fatores como por exemplo os direitos de sincronização da obra autoral. Tem-se, ainda, os chamados direitos fonomecânicos, que são pagos pelas plataformas digitais por meio da BackOffice Music Services, única empresa responsável por intermediar o pagamento das plataformas digitais e os titulares de direitos autorais.
A tecnologia atual, permite que um autor, artista, de dentro da sua própria casa, crie novas obras musicais e consiga, por meio da Internet, realizar os cadastros de obra, fonograma e distribuir suas músicas nas plataformas de streaming como Spotify, Deezer, YouTube, dentre outras, por meio das chamadas agregadoras / distribuidoras.
Pode-se dizer, que processo criativo atual é mais “trabalhoso” que os procedimentos burocráticos para distribuição das músicas nas lojas digitais e, como o acesso às plataformas de inteligência artificial generativa capazes de criar do zero uma música com letra e melodia, já estão disponíveis no mercado, alguns autores e artistas já usam em suas criações a inteligência artificial como ferramenta de apoio ou, até mesmo, para criação definitiva de uma nova canção.
Enquanto não se tem um sistema integrado que possa identificar as obras originadas por I.A e muito menos ferramentas, que possibilitem aos criadores de obras musicais declararem a utilização de I.A no cadastro, essas obras, uma vez cadastradas pelo titular, são, na prática, remuneradas pela “falsa proteção autoral”.
A partir da publicação dessas obras e veiculação em locais de frequência coletiva, quando identificada sua execução, é devido o recolhimento e a distribuição dos direitos autorais aos titulares cadastrados no registro da obra perante ao ECAD e como ainda não se tem a forma de desqualificação da autoria, os rendimentos acabam sendo pagos àqueles que se declaram autores e realizam os cadastros no ECAD por meio das associações.
Uma das alternativas que vem sendo considerada pelas associações de gestão coletiva é a possibilidade do cadastro de obra artificial, ou seja, a pessoa que realizou a obra artificial declarar, no ato do cadastro, que se trata de obra criada por inteligência artificial. Com isso, o valor arrecadado pelas execuções públicas dessa obra artificial, seriam compensados aos demais autores em analogia às regras e condições das obras de domínio público.
Conforme previsto no artigo 41, da LDA (BRASIL, 1998), o prazo de proteção aos direitos patrimoniais da obra é de setenta anos, contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao falecimento do autor e após esse prazo a obra cai em domínio público.
Pertencem ao domínio público, portanto, as obras cujo prazo de proteção aos direitos patrimoniais decorreu. Pode-se caracterizar, ainda, como obras de domínio público as que os autores falecidos não tenham deixado sucessores e as obras de autores desconhecidos, tudo conforme artigo 45, da LDA (BRASIL, 1998).
Pela lógica, tratando-se de ausência originalidade da criação de uma obra criada por inteligência artificial, vez que a I.A usa combinação de data mining e machine learning e Bigdata para criação de uma obra artificial nova, pode-se dizer, portanto, que o algoritmo utilizou a base de dados com centenas de milhares de obras pretéritas, de milhares de autores distintos, para criação da nova obra artificial e, como resultado, tem-se a impossibilidade de identificar os autores originais. Consequentemente, o resultado é a condição jurídica de uma obra que não possui direito autoral, uma obra de domínio público de autores desconhecidos.
Por isso, as execuções de obras criadas por inteligência artificiais podem ser equiparadas às obras de domínio público, cujos rendimentos gerados podem ser compensados em prol da coletividade de autores.
Na prática, paira a dúvida sobre a boa-fé do ato declaratório do autor de obra artificial. Haverá efetividade quanto aos cadastros? Será mesmo que aqueles que utilizaram de I.A irão cadastrar essas obras em conformidade com a verdadeira origem da criação?
Acredita-se que a sociedade é, predominantemente, do bem, mas não se pode fechar os olhos para as possíveis fraudes.
O ato declaratório no cadastro é o primeiro passo, mas a velocidade da evolução da tecnologia é infinitamente mais rápida do que a evolução do direito e, nesse sentido, deve-se combater eventuais fraudes decorrente da utilização de inteligência artificial, com a própria inteligência artificial.
O desenvolvimento de ferramentas tecnológicas capazes de, em larga escala, identificar a execução, reconhecer a origem da criação e, automaticamente, classificar essa obra como criação artificial de domínio público seria a solução perfeita, mas para isso antes, é necessário a regulamentação da I.A, deixando claro que obras geradas por inteligência artificial carecem de proteção autoral, ressalvado o uso para simples finalidade de apoio quanto a revisão e fiscalização.
Por outro lado, a implementação de um sistema que identifique a criação artificial, deverá garantir o contraditório, caso a criação seja automaticamente classificada como obra artificial, deve-se garantir ao Autor a possibilidade de contestar e comprovar a sua verdadeira autoria, demandando o desenvolvimento não apenas de sistemas tecnológicos mas também de um procedimento administrativo e jurisdicional efetivo para análise e interpretação dos casos contestados.
REGULAMENTAÇÃO
Está em tramite no Congresso Nacional Brasileiro, o projeto de Lei nº 2.338/2023, apresentado pelo Senador Rodrigo Pacheco. O PL dispõe sobre o marco legal da Inteligência Artificial.
O uso da Inteligência Artificial vai além do processo da utilização em processo criativo, tendo em vista ser usada em todos os setores da economia pública e privada, na saúde, segurança, no transporte e logística, educação, agronegócio, comunicação, entretenimento, política, dentre outros. Infinitas as possibilidades do uso da I.A na sociedade, por isso, regulamentar o Marco legal da Inteligência Artificial não será uma tarefa fácil e segundo a CNN Brasil, junto ao PL 2.338/2023 já existem pelo menos mais 46 projetos de lei com a finalidade de regulamentação do uso da I.A.
Em um levantamento feito pela CNN, é apontado que existem 34 projetos na Câmara e outros 12 no Senado. Muitos deles são semelhantes e tratam de temas complementares. Entre os assuntos mais citados nas proposições, estão:
Uso de “deepfake” — recursos que alteram rostos e vozes de pessoas com resultados verossímeis, por meio de IA — para criar imagens e áudios falsos de pessoas para uso político, publicitário ou em pornografia;
Reprodução e manipulação de voz e imagem de pessoas que já morreram;
Direitos autorais e plágio em obras criadas por IA;
Uso do reconhecimento facial;
Sanções específicas para crimes cometidos com uso de IA;
Aplicação da IA nos sistemas da administração pública federal, estadual e municipal;
Regulamentação do uso de veículos autônomos terrestres.
O PL 2.338/2023 apresenta uma redação tímida em relação aos direitos autorais e, possivelmente, confusa em relação a violação de direitos autorais. Veja-se o que dispõe o artigo 42.
Art. 42. Não constitui ofensa a direitos autorais a utilização automatizada de obras, como extração, reprodução, armazenamento e transformação, em processos de mineração de dados e textos em sistemas de inteligência artificial, nas atividades feitas por organizações e instituições de pesquisa, de jornalismo e por museus, arquivos e bibliotecas, desde que:
I – não tenha como objetivo a simples reprodução, exibição ou disseminação da obra original em si;
Il- o uso ocorra na medida necessária para o objetivo a ser alcançado;
III – não prejudique de forma injustificada os interesses econômicos dos titulares; e
IV – não concorra com a exploração normal das obras.
§ 1° Eventuais reproduções de obras para a atividade de mineração de dados serão mantidas em estritas condições de segurança, e apenas pelo tempo necessário para a realização da atividade ou para a finalidade específica de verificação dos resultados da pesquisa científica.
§ 2º Aplica-se o disposto no caput à atividade de mineração de dados e textos para outras atividades analíticas em sistemas de inteligência artificial, cumpridas as condições dos incisos do caput e do § 1°, desde que as atividades não comuniquem a obra ao público e que o acesso às obras tenha se dado de forma legítima (BRASIL, 2023, online).
Para o âmbito dos direitos autorais de obras literárias, musicais e lítero-musicais, dado a grandiosidade do setor e da importância da arrecadação e distribuição de direitos autorais de execução pública, a alteração da Lei para inserção de artigo específico na legislação seria de grande valia, sendo como sugestão a proposta da seguinte redação:
Art. XX – A criação literária, artística ou científica com uso de inteligência artificial, será considerada obra artificial;
§ 1º As obras artificiais não são objeto de proteção autoral e pertencem ao domínio público;
§ 2º Não se considera obra artificial a utilização de inteligência artificial como ferramenta de auxílio para o autor para revisão da obra.
O tema é complexo, serão apresentadas inúmeras sugestões de texto e de redações até o texto final do marco legal da inteligência artificial for aprovado no Congresso, até lá, segue as palavras finais do PL do Senador Rodrigo Pacheco:
Ainda, em linha com o direito internacional, traça balizas para conformar direitos autorais e de propriedade intelectual à noção de que os dados devem ser um bem comum e, portanto, circularem para o treinamento de máquina e o desenvolvimento de sistema de inteligência artificial – sem, contudo, implicar em prejuízo aos titulares de tais direitos. Há, com isso, desdobramentos de como a regulação pode fomentar a inovação. Diante do exposto, e cientes do desafio que a matéria representa, contamos com a colaboração dos nobres colegas para o aperfeiçoamento dessa proposta (PACHECO, 2023).
IA por IA:
Afinal, como a própria Inteligência Artificial avalia os reflexos jurídicos dos direitos autorais e a relação de autoria? Após algumas perguntas introdutórias no ChatGPT4, finaliza-se com a seguinte pergunta: de quem é a autoria dos textos gerados pelo ChatGPT? E essa foi a resposta do ChatGPT4:
Os textos gerados pelo ChatGPT, incluindo o diálogo que temos agora, são criados por uma inteligência artificial desenvolvida pela OpenAI. A questão de “autoria” em relação a esses textos é complexa e ainda objeto de debate no campo do direito autoral.
No contexto jurídico atual, a autoria geralmente requer uma contribuição criativa humana, o que significa que obras geradas inteiramente por IA, como as respostas do ChatGPT, normalmente não se qualificam para proteção por direitos autorais sob as leis de muitos países. Isso se deve ao fato de que a IA opera com base em algoritmos e dados fornecidos por humanos, mas sem uma “intenção criativa” que é tipicamente exigida para a autoria no sentido legal.
Portanto, embora o ChatGPT possa gerar conteúdo que parece original e criativo, sob muitas jurisdições, esse conteúdo não seria protegido por direitos autorais como uma obra “autoral”, pois falta o elemento de autoria humana diretamente envolvida na criação. Essa é uma área de direito em evolução, e as opiniões e legislações podem mudar conforme o uso de IA em processos criativos se torna mais comum e as leis são atualizadas para refletir novas realidades tecnológicas.
O advento da inteligência artificial reflete novos desafios para o direito autoral, em especial para as obras científicas, musicais, literárias e lítero-musicais, gerando discussões disruptivas a respeito de conceitos jurídicos consolidados na legislação brasileira, tais sobre o conceito de obra, originalidade, autoria, autor e titularidade.
CONCLUSÃO
O presente artigo reitera o entendimento da inexistência de autoria e proteção autoral para criação de obras artificiais, observando a possibilidade do uso de I.A para os processos de revisão, correção e edição da obra sem que prejudique a Autoria.
Diante da irreversibilidade do uso da IA nos processos criativos, torna-se essencial analisar os impactos jurídicos no âmbito do direito empresarial e dos direitos autorais.
Em um contrato bilateral, entre uma empresa e um Designer para criação de uma arte publicitária, uma vez prevista possibilidade de utilização de IA para o processo de criação, muito embora reste prejudicada a autoria, a finalidade empresarial é alcançada, fazendo jus o autor/designer cobrar os valores dos honorários contratados.
Por outro lado, em se tratando de Direitos Autorais de obras literárias, musicais e lítero-musicais, o uso de IA ultrapassa os interesses pessoais do autor, atingindo uma coletividade de detentores de direitos autorais prejudicando, em especial, a arrecadação de direitos autorais de execução pública, sincronização e direitos fonomecânicos.
As criações literárias, musicais e lítero-musicais por meio de IA não possuem a intervenção humana de forma direta. As IAs usam fontes e padrões de milhares de autores originários não identificáveis e, por essa razão, carecem de proteção autoral.
O autor que empregar IA em suas composições musicais deve estar ciente do risco da “obra” ser identificada como uma criação artificial e, como consequência, ter sua autoria prejudicada, resultando na perda da arrecadação de direitos autorais. Os rendimentos gerados por criações artificiais devem ser tratados como remuneração compensatória, seguindo regras de distribuição similares às aplicadas às obras de domínio público.
A colaboração em propostas legislativas para regular obras originadas pelo uso de inteligência artificial é crucial na busca por uma solução equitativa, sendo fundamental o desenvolvimento de tecnologias e procedimentos capazes de assegurar a originalidade das obras criadas, valorizando os autores que possuem a exteriorização do espírito como sua única fonte de inspiração para criação de novas obras.
REFERÊNCIAS
AMOROSO, Marcos; CNN Brasil. Disponível: https://encurtador.com.br/eluRX. Acesso 15 abr. 2024.
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Tradução de Luís Antero Neto e Augusto Pinheiro. Lisboa -Portugal: Edições 70, 1977.
CABRAL, Plínio. A Nova Lei de Direitos Autorais. 1ª ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998.
GARON, Jon. Entertainment Law and Practice. North Carolina, Carolina Academic Press, 2014.
PACHECO, Rodrigo. Senado Federal. PL 2338 de 2023. Disponível: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233. Acesso 15 abr. 2024.
PIMENTA, Eduardo Salles. Código de Direitos Autorais, 1998.
SIMENSKY, Selz, Lind, Burnett, Palmer and Dougherty. Entertainment Law. 3rd ed. Lexis Nexis, São Francisco. 2004.
U.S. COPYRIGHT OFFICE. Compendium of U.S. Copyright Office Practices § 101 (3d ed. 2021). Disponível: https://www.copyright.gov/comp3/docs/compendium.pdf. Acesso 15 abr. 2024.