O acesso à cultura e o direito de lazer são garantias constitucionais que promovem o bem-estar social. A CF/88, no art. 215, traz que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Assim, com o objetivo de efetivar esse direito, é permitido que a União, os Estados e os Municípios contratem artistas para realizarem shows em eventos públicos.

Em regra, as contratações com órgãos públicos, se faz necessário a realização de um processo licitatório (artigo 37, inciso XXI, da CF/88) no qual a administração pública seleciona o produto que melhor atenda a seu interesse, visando a melhor qualidade e o menor preço de custo.

Entretanto, em sentido contrário, para artistas classificados como renomados pela opinião popular ou pela crítica especializada, difere do trâmite comum, pois podem ser contratados como prestadores de serviços por meio do processo de inexigibilidade de licitação.

Devido a esse status que o artista carrega, é possível declinar do disposto em lei, sendo verificada a inexigibilidade da licitação, isto é, quando não há a possibilidade de competição.

Aplicada ao caso concreto, ocorre quando a singularidade do artista é tanta, como acontece com aqueles de alta consagração, que seria impossível substituir por outrem, pois somente este fornece o que se busca, sendo inviabilizado haver qualquer tipo de competição.

Cabe ressaltar que, ainda sem um processo licitatório envolvido, é necessário a comprovação do renome do artista, tanto pelo público quanto pela crítica, além de seguir algumas normas para que a contratação seja legal e efetiva, como: i) o próprio artista deve firmar o contrato (ou por meio de representante legal exclusivo ou pela empresa do qual exerce suas atividades artísticas; ii) a motivação de escolha da área artística; e iii) detalhar o valor do evento, justificando-o.

Um dos requisitos que se destaca é a relação de exclusividade entre o artista e a empresa que está celebrando o contrato com o órgão Público. É preciso que seja comprovado a exclusividade do artista com a empresa contratada, sendo a exclusividade fator preponderante para justificativa do processo de inexigibilidade de licitação, afinal, caso o artista fosse representado por mais de uma empresa, seria necessária a realização de um processo licitatório.

Contudo, tornou-se prática do mercado do entretenimento, realizadores de eventos, contratarem os artistas para revender o show para o Órgão Público, sendo solicitado por esses profissionais um documento chamado “Carta de exclusividade” para cumprir os requisitos do processo de dispensa de licitação.

No entanto, o documento denominado de “Carta de exclusividade” ou o “Atestado de Exclusividade”, não configuram documento capaz de declarar e comprovar a exclusividade de fato.

A lei prevê que para contratar com poder publico sem licitação, ou seja, por meio de processo de inexigibilidade de licitação, deve ser comprovado a exclusividade, ou seja, somente a EXCLUSIVIDADE é elemento que afasta a concorrência e a disputa na licitação, assim a inexigibilidade de licitação ocorre quando há inviabilidade de competição.

A Lei nº 14.133/2021 dedicou o § 2º do artigo 74 para definir o que considera empresário exclusivo, assim, para a nova lei de licitações e contratos:
§ 2º Para fins do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se empresário exclusivo a pessoa física ou jurídica que possua contrato, declaração, carta ou outro documento que ateste a exclusividade permanente e contínua de representação (…)
A jurisprudência do TCU, Tribunal de Contas da União, já considerou imprestáveis as chamadas “cartas de exclusividade”; Vejamos.
“9.2.2. instaure processo de Tomada de Contas Especial, quando no exame da prestação de contas forem constatadas as mesmas irregularidades aqui referidas, especialmente a seguinte, sujeita a glosa: contratação de bandas de música, por meio de inexigibilidade de licitação, sob o fundamento da exclusividade de representação, com base na apresentação de “cartas” e de “declarações” que supostamente atestariam a dita exclusividade, mas na verdade não se prestam para tanto, o que só pode ser feito por meio de contrato firmado entre artistas e empresários, devendo ainda constar registro em cartório, além de regular publicação, conforme as disposições contidas no termo de convênio, no item 9.5 do Acórdão n. 96/2008-TCU-Plenário e nos arts. 25, inciso III, e 26, todos da Lei 8.666/93;”. Acórdão n. 3.826/2013-1ª Câmara TCU, relatado pelo Ministro Valmir Campelo.

“As autorizações emitidas pelas bandas musicais que atuaram no evento regional, concedidas à empresa contratada pela Prefeitura de Santa Luzia/PB para organização das apresentações artísticas – […]- e encaminhadas ao Ministério do Turismo na prestação de contas do Convênio 750/2008, (…), não caracterizam contratos de exclusividade entre os artistas consagrados e o respectivo agenciador perante o órgão municipal”. Acórdão n. 8.244/2013-1ª Câmara TCU, Ministro Walton Alencar Rodrigues.
Com isso, havendo um eventual processo de improbidade administrativa, caso não seja comprovado a exclusividade de fato, o artista, o produtor do evento, os administradores públicos podem ser condenados tanto a restituição dos valores contratados aos cofres públicos, bem como, multa, além de ficar impedidos de contratar novamente com órgãos públicos.

Dessa forma, a contratação deve ser direta entre a empresa do artista, ou a empresa que de fato se detém a exclusividade, que pode ser confirmado de inúmeras formas, como por exemplo o registro de marca do artista, cadastro no ministério do turismo, contratos com gravadoras, contrato de agenciamento ou empresariamento com exclusividade, dentre outros.

A contratação direta de artistas através na nova Lei de Licitações é plenamente possível, por meio do processo de inexigibilidade de licitação, sendo um benefício que busca satisfazer o clamor social e garantir aos brasileiros o pleno direito ao lazer e o acesso amplo à cultura do país.

Um adendo importante a se fazer são as polêmicas relacionadas a contratação direta de artistas por municípios que encontram-se em déficit em outros setores. Assim como os veículos de imprensa são importantes para noticiar aquilo que está acontecendo, também são mecanismos de fomentar o clamor público. O que muita gente não sabe é que nossa própria Carta Magna traz a possibilidade de distribuição de verbas que atendam o acesso à cultura, bem como, outros direitos como a saúde e a educação. Portanto, aquele determinado montante direcionado para contratação de um artista já está previsto no plano de gestão, isso se estiver em conformidade com a boa-fé e ética, sem envolvimento com corrupção ou superfaturamento almejando o desvio de dinheiro, e com o valor dentro dos moldes cabíveis.

PEDRO VALE –
Advogado, sócio do escritório, Oliveira, Vale & Abdul Ahad Advogados, especialista em Direito do Entretenimento, Direitos Autorais e Direito dos Contratos.

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