THE MALLS LEASE CONTRACTS CENTERS INTERPRETED THE ROLE OF LIGHT HERMENEUTIC INTEGRATIVE GOOD OBJECTIVE FAITH IN THE VISION OF THE COURTS
Douglas de Oliveira Santos
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo tratar das peculiaridades do modelo padronizado dos contratos de locação utilizados pelos Shoppings Centers, que possuem cláusulas específicas, que não são convencionais nos demais contratos de locação que envolve outras atividades, e por isso, são contestadas por lojistas, que as consideram abusivas, e entendem que o modelo não está de acordo com a nova análise da obrigação como um processo, e violam a boa-fé objetiva, especificamente se analisados a luz da função hermenêutico-integrativa. Busca-se desse modo, no presente trabalho, evidenciar a complexa relação existente entre as partes nesta modalidade de contrato, tratada no trabalho como atípico, e ao final, verificar se os tribunais pátrios consideram ou não abusivas tais cláusulas contratuais. Adotando-se a metodologia dialética e crítica.
PALAVRAS CHAVE: Peculiaridades; Shopping Center; Boa-fé objetiva; função hermenêutico-integrativa.
ABSTRACT
The present paper addresses the correlation of the principle of fraternity with the functionality of business activity, which, undoubtedly, in terms of implementation of legal relations business fraternity requires considering the problem of normativity and the scope of the principles in the legal order. We seek to demonstrate how the principle of fraternity can constitute legal category for the purpose of regulating the social function of the company since the rules and principle of the Constitution. The idea is to establish the relationship between behavior and fraternal social action to highlight the legal effects in terms of expansion of guardianship of rights and inclusion. Adopts the methodology and critical dialectics.
KEY-WORDS: Shopping center; Objective good faith; hermeneutic integrative function.
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do presente artigo está baseado na análise das peculiaridades que existem nos contratos de locação firmados entre os lojistas e os Shoppings Centers, que são considerados atípicos pela maior parte da doutrina, e possuem cláusulas específicas, tornando-se relevante o estudo do seu conteúdo.
Com efeito, o objetivo é verificar quais cláusulas contratuais usualmente são empregadas neste tipo de contrato, e se a adoção delas causa desequilíbrio na relação obrigacional, a partir de uma análise do contrato a luz da função hermenêutica-integrativa da boa-fé objetiva.
O problema é definir, a partir de uma pesquisa bibliográfica doutrinária e da jurisprudência dos tribunais, a forma como a matéria tem sido enfrentada no judiciário, para que se possa compreender efetivamente se a partir de uma perspectiva da função hermenêutico-integrativa da boa-fé objetiva, existe desequilíbrio contratual em razão da adoção das cláusulas padronizadas dos contratos firmados entre os Shopping Centers e os lojistas.
Desse modo, a análise se inicia com a verificação da atividade de Shopping Centers, quais os benefícios oferecidos aos lojistas que possibilitam a implementação de cláusulas contratuais que garantam maior rentabilidade ao empreendimento, e o exame das principais cláusulas atípicas alocadas nestas modalidades de contratos.
Na sequência, volta-se à compreensão da boa-fé objetiva, em especial da função hermenêutico-integrativa desempenhada por ela.
Ao final, levando em consideração as questões acima, passar-se-á ao estudo dos julgados dos tribunais pátrios, acerca do entendimento sobre existência ou não de desequilíbrio nos contratos de Shopping Centers, em razão da adoção de cláusulas específicas, que não são comuns em outras espécies de locação, de modo a compreender se as cláusulas peculiares alocadas nestes instrumentos violam a boa-fé objetiva, se analisada a luz de sua função hermenêutico-integrativa.
Ao final, concluir-se-á sobre a existência ou não de desequilíbrio contratual.
2. A ATIVIDADE DE SHOPPING CENTERS E OS ASPÉCITOS ESPECÍFICOS DOS CONTRATOS CELEBRADOS COM OS LOJISTAS
João Carlos Pestana Aguiar (1992. p.96) em sua obra, define Shopping Center, como sendo, anglicanismo de origem norte-americana, que consiste em um empreendimento de construção dispendiosa, destinada a um conjunto comercial composto de várias lojas de maior (âncoras) e menor dimensão (satélites), todas voltadas para galerias internas confortáveis, sendo as lojas logicamente localizadas quanto aos negócios nelas explorados (tenant mix), fornecendo ao consumidor facilidades de acesso (estacionamento), requintes na apresentação do conjunto, qualidade dos produtos, segurança, conforto e lazer, atrativos que sustentam o sucesso do empreendimento.
Por outro lado, em definição apresentada pela ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers) (1987, p.34), Shopping Center é:
“Um centro comercial planejado, sob administração única e centralizada, composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados de comércio, e que permaneçam, na sua maior parte, objeto de locação, ficando os locatários sujeitos a normas contratuais padronizadas que visam à conservação do equilíbrio da oferta e da funcionalidade, para assegurar, como objetivo básico, a convivência integrada e que varie o preço da locação, ao menos em parte, de acordo com o faturamento dos locatários centro que ofereça aos usuários estacionamento permanente e tecnicamente bastante”.
Daniel Alcântra Nastri Cerveira destaca(2011, p.31), por sua vez, que:
“O Internacional Counil of Shopping Centers definiu essa nova forma de comércio varejista como um grupo e estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e construído em terreno planejado e desenvolvido, devendo ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e o tipo de lojas existentes relacionados diretamente a área de influência comercial a que esta unidade serve”.
Nos termos do que restou destacado acima, verifica-se que não há divergência doutrinária relevante acerca do que consiste um Shopping Center e a sua atividade, sendo certo que se trata de um empreendimento de grande monta, que preza pela segurança, comodidade, requinte e lazer de seus frequentadores, tendo em vista que busca sempre atrair o maior número possível de consumidores para seu estabelecimento, já que sua atividade é de comercialização de pontos disponibilizados em seu interior, para a locação não-residencial, através de um contrato firmado com os locatários, também chamados de lojistas.
Com efeito, a relevância de analisar o tema ora proposto se deve em razão do grande aumento do número de Shoppings Centers e de sua participação nas atividades varejistas, principalmente a partir da década de 80, o que é consequência do crescimento urbano, de modo que a disputa pelo consumidor e a construção crescente de novas unidades levam à expansão de novos formatos de Shoppings centers.
Do mesmo modo, os Shoppings Centers estão em crescente expansão no Brasil, albergados pelos princípios constitucionais da livre iniciativa, e da proteção do direito à propriedade, ambos garantidos pela Constituição Federal.
Por serem empreendimentos destinados a exploração da atividade varejista, ostentam como diferencial para a capitação de lojistas e atração de consumidores, a promoção da cultura, do lazer e o entretenimento de um modo geral, razão pela qual os Shoppings Centers garantem aos locatários de seus espaços, um fluxo diário de grande monta de consumidores que caminham pelos seus corredores, chamados mall, transitando em frente e pelos espaços cedidos aos lojistas.
Com efeito, para atrair os consumidores, os Shoppings Centers investem em comodidades, como estacionamento, além de segurança, para que as milhares de pessoas que diariamente se deslocam por seus corredores, além de encontrar entretenimento, facilidades e cultura, se sintam efetivamente seguras, situações que demandam investimentos extraordinários na edificação e manutenção do empreendimento.
Em razão destas circunstâncias, os contratos firmados entre os Shoppings Centers e os lojistas, possuem cláusulas específicas, distintas de outra relação locatícia comum, o que causa calorosas discussões jurídicas, visto que a doutrina não é unânime nem mesmo em relação à natureza jurídica destas avenças, conforme destaca Sylvio Canepa (1993, p.46): “Sustentam uns que se trata de contrato de locação, ainda que contenha cláusulas inortodoxas; outros defendem a tese do contrato atípico; há os que afirmam tratar-se de contrato misto, ou complexo, ou coligado, no qual a figura típica principal é a locação”.
Logo, a principal discussão sobre a natureza jurídica destes contratos é definir se eles revelam-se como uma modalidade de contrato típico ou atípico.
A questão referente a natureza jurídica do contrato firmado entre os Lojistas e o Shopping Centers poderia ser tema principal da pesquisa, em razão da enorme divergência em relação a tal ponto, contudo, como a intenção não é didaticamente ampliar este ponto específico da discussão, somente será realizada breve ponderação acerca de tal ponto.
Das correntes doutrinárias existentes e dedicadas a analisar os contratos de Shoppings Centers, duas se destacam, sendo que uma defende que se tratar de contrato típico e a outra de que se trata de contrato atípico misto.
A primeira corrente doutrinária, que defende a existência de tipicidade do contrato, possui como precursor Caio Mário da Silva Pereira, apoiado por Washington de Barros Monteiro apud BARCELLOS(2009, p.36), que destacam como característica do contrato típico, o fato de estarem presentes três elementos relacionados à locação, a saver: “a coisa cujo uso é cedido”, “o preço” e “o acordo de vontades”.
Na perspectiva destes juristas, os elementos peculiares próprios do contrato de shoppings centers seriam apenas “elementos acidentais” que não influenciariam na desconfiguração de contrato locatício típico, tornando-o apenas impuro.
Os defensores desta tese, destacam inclusive que a Lei do Inquilinato (8.245/91), trata dos contratos de shoppings centers como sendo de locação, visto que atribui nomenclatura de locação a esta relação contratual, nos termos do artigo 54.
Por outro lado, na visão de Orlando Gomes, apud LEMKE (1999, p.53), tal negócio se trataria de contrato atípico, ao argumento de que a atipicidade se verificaria do próprio conteúdo das obrigações nele assumidas, pois além das obrigações do lojista não serem de um locatário, a intenção dos contratantes não seria somente ceder, uma a outra, a fruição de uma coisa em troca de remuneração em dinheiro.
Por essa perspectiva, entende-se que a motivação econômica do contrato em questão seria diversa de uma locação, o que significava dizer que o contrato seria atípico.
Maria Helena Diniz (2003, p.51), traz uma explicação mais específica para a questão e uma classificação que se amolda exatamente a realidade dos Shoppings Centers no Brasil.
Há um modus vivendi peculiar no shopping center que não terá personalidade jurídica, por ser uma organização resultante de atos e ideias, que refundam em contratos diversificados, que, por sua vez, se fundem numa unidade econômica jurídica, transformando-se num contrato sui generis atípico e misto. Não haverá coligação de contrataos, mas apenas unidade econômica e pluralidade jurídica.
O contrato de shopping é atípico por conter elementos de vários contratos, de sorte que não se pode dizer que pertença a qualquer tipo, embora apresente caracteres de muitas figuras contratuais, sendo a transação nele contida estranha aos tipos legais.
Trata-se de contrato atípico misto e não de contrato coligado, pois, se houvesse coligação, a sua disciplina jurídica não seria unitária.
Nesta perspectiva de ideias, sem adentrar ao mérito de qual das teorias possui maior número de adeptos, parece que a melhor conclusão acerca da natureza do contrato firmado entre o lojista e o shopping center é a empregada por Maria Helena Diniz, no sentido de que em verdade, se trata de uma inovação contratual, em que as normas vão ser regidas pelo empreendedor do shopping com o assentimento do lojista, em um campo em que predomina o princípio da autonomia privada, o direito a propriedade e a garantia da iniciativa privada, tratando-se, por isso, de contrato empresarial e atípico.
Por outro lado, resta saber se as cláusulas alocadas usualmente nestes instrumentos, se analisadas a luz da função hermenêutico integrativa da boa-fé objetiva, podem ser ou não consideradas abusivas.
Logo, os contratos denominados de locação, firmados entre os lojistas e os Shoppings Centers, normalmente possuem em um dos pólos, como contratados, também denominados locadores, os empreendedores, que são os proprietários efetivamente do estabelecimento, possuindo de outro lado, os lojistas, também denominados locatários, que são os empresários individuais ou sociedades empresárias, que passarão a deter a posse, mediante pagamento de encargos, de espaços no interior do Shopping Center, destinado a atividade empresarial.
Segundo Cerveira (2011, p.33), normalmente integram os contratos de locação de Shoppings Centers, os seguintes documentos: (i) o contrato propriamente dito, com as estipulações individuais de cada lojista/locatário; (ii) as “normas gerais” ou “clausulas comuns”, que são um conjunto de regras destinadas a todos os locatários/lojistas; (iii) o regimento interno, que estipula sobre o funcionamento do empreendimento; e (iv) o estatuto da associação dos lojistas (é condição para firmar a locação filiar-se à associação dos lojistas do Shopping).
Em relação aos encargos contratuais, Nagib Slaibi Filho (2010, p. 347) destaca que:
“Em retribuição ao que usufrui em decorrência do complexo econômico e organizacional que é o empreendimento do shopping center, o lojista paga as seguintes verbas: 1- quantia fixa, impropriamente chamada de ‘aluguel mínimo’; 2-percentual sobre o respectivo faturamento bruto; 3- contribuição para o fundo de promoções feitas para atração da freguesia; 4- contribuição para o fundo de administração e de despesas internas, como se fosse taxa condominial.”
Do mesmo modo, é comum que a locação dos espaços de Shopping Centers se consolide mediante a celebração de dois contratos, sendo que o primeiro pode ser um contrato de direito de reserva da locação (res sperata), também conhecido como contrato de reserva de ponto, ou então um contrato de cessão de uso de espaço em Shopping Center, sendo que a diferença entre os dois se verifica pelo momento em que o instrumento estiver sendo celebrado.
Caso o Shopping Center ainda esteja em construção, o primeiro contrato deverá ser o de reserva de locação (res sperata), e caso já tenha sido construído e esteja em funcionamento, o contrato será o de cessão de uso de espaço em unidade em Shopping Center.
Logo, em se tratando das cláusulas discutidas na relação existente entre lojista e empreendedores, é relevante destacar inicialmente que a questão afeta a cobrança da res sperata (coisa esperada) que se trata, como dito, da quantia paga ao Shopping como retribuição dos estudos técnicos realizados, dos projetos de alocação do tenat mix, garantia de reserva de espaço, direito de participação da estrutura organizacional do Shopping, é quase sempre questionada nas ações judiciais que discutem a rescisão de contrato de espaço locado em Shopping Center.
Sobre a natureza jurídica desta cobrança, Maria Elisa Gualandi Verri(1996, p.79), destaca sua destinação como sendo:
“Um outro elemento de suma importância, está entre os explanadores do porque da existência de um fundo de comércio do próprio Shopping Center. Trata-se da res sperata, quantia recebida pelo empreendedor que tem como justificativa as diversas vantagens trazidas pelo Shopping para os lojistas (o que é um confirmador do fundo de comércio do mesmo)”.
Nesta mesma linha, Gustavo Tepedino destaca que:
“A res sperata é a forma de “remunerar a atividade de organização e planejamento posta à disposição do conjunto de lojas, independente do fundo de comércio pertencente ao lojista, e que se traduz nas luvas, hoje asseguradas pela Lei 8.245/91.”
Com efeito, a res sperata não se confunde com as luvas, que são determinadas quantias em dinheiro, apartada do valor do aluguel, paga pelo pretendente locatário para obter a preferência na celebração do contrato de locação. Nas luvas, ocorre a remuneração pelo mero uso do ponto, enquanto na res sperata o pagamento é pela cessão do fundo empresarial do shopping, composto, entre outros bens, do nome empresarial, título do estabelecimento, insígnia, marca, aviamento, clientela e freguesia.
Com efeito, independente de o contrato originário tratar-se da res sperata, ou da cessão de utilização de espaço em unidade de Shopping Center, em qualquer caso existe clausula contratual que veda a transferência da res sperada ou da cessão de utilização para terceiro, sem a anuência do Shopping Center.
E o segundo contrato firmado entre o lojista e Shopping Center, é o denominado contrato de locação de espaço de Shopping Center.
Logo, quando firma o contrato de locação com o Shopping Center, o lojista obrigatoriamente se filia a associação dos lojistas e vincula-se ao fundo de promoção, passando além do pagamento do aluguel ajustado, a arcar com a contribuição para o fundo de promoção, que se trata de um fundo específico cujo valor investido é destinado a realizar propagandas vinculando a imagem do Shopping, como atrativo de consumidores, além das despesas de rateio do condomínio, que é a divisão das despesas comuns do empreendimento, rateada entre os lojistas.
Em relação à cobrança do rateio de condomínio, é relevante destacar que tal denominação utilizada por vezes pelos Shoppings é equivocada, pois tais valores consistem nas despesas comuns dos lojistas pelo funcionamento de suas atividades e das atividades do empreendimento, não podendo ser tratada especificamente como condomínio, pois os lojistas não são proprietários, tampouco os espaços que ocupam são frações ideais.
Fato é que o rateio do condomínio, como é chamado, consiste, na divisão entre os lojistas das despesas pela utilização das lojas comerciais e das áreas comuns do empreendimento, tais como despesas administrativas, gastos limpeza, conservação estrutural, dentre outras.
Por outro lado, a contribuição para o fundo de promoção consiste no percentual sobre o aluguel pago mensalmente para a associação dos lojistas, que é o responsável por administrar o fundo.
Desse modo, se pode concluir que o fundo de promoção é o resultado da arrecadação das verbas destinadas a propaganda, e demais ações que visam atrair consumidores para o Shopping, sendo o recurso utilizado para custear as promoções e propagandas realizadas nas datas comemorativas.
Também suscitam discussões as cláusulas usualmente alocadas nos contratos firmados entre lojistas em Shopping Centers que se referem ao valor do aluguel, visto que, em regra, convenciona-se o pagamento de um aluguel mínimo e um aluguel percentual, verificado através de cláusulas que garantem o direito do empreendedor de fiscalizar as vendas do locatário, além de aluguel dobrado no mês de dezembro.
Pois bem, nos contratos de Shoppings Centers, a remuneração dos empreendedores também é chamada de aluguel, sendo que tal remuneração é auferida por meio de um sistema alternativo de cobrança prevista nos contratos, sendo certo que normalmente existe previsão de cobrança de um aluguel percentual ou variável, e o aluguel mínimo ou fixo.
Uma forma de cobrança vai ser sempre excludente da outra.
Segundo as lições de Caio Mário da Silva Pereira, Apud LÔBO e ARRUDA (1984, p.119):
“O Shopping Center criou modalidade diferente de aluguel, que pode assumir forma alternativa. Mas não são dois aluguéis. O usuário do Shopping Center paga um aluguel. A quantia é que está subordinada a critério variável. A fim de assegurar-se o melhor rendimento para a locação, para a utilização, para a cessão do uso, o empreendedor do shopping Center estabelece, com o usuário, um contrato pelo qual o usuário se compromete a pagar um aluguel, não dois aluguéis. E um aluguel que nos diríamos baseado no sistema de escala móvel, mas escala permanente. Respondendo, assim, resumidamente, não há dois aluguéis. Há um aluguel só, mas para o critério de fixação é que se pode usar um ou outro sistema”
Por outro lado, na visão de Rubens Requião (1983, p.23), este sistema de pagamento de aluguel é um dos grandes diferenciais dos Shoppings Centers, como se pode observar:
“como se percebe, o sistema de locação substitutivo do aluguel mínimo e do aluguel percentual sobre a renda bruta constitui um sistema integrado na organização do “centro comercial”. O aluguel programado no planejamento deste não se determina, vale insistir, pelos parâmetros tradicionais das leis civis, mas constitui elemento integrante da organização tecnológica moderna destes centros comerciais. E tanto isso é verdade que entre os mecanismos peculiares desse tipo de empreendimento figura como ponto dos mais relevantes a estipulação de aluguel em bases percentuais, garantido por um aluguel mínimo. Esse é, antes de tudo, um dos requisitos essenciais para a associação brasileira de Shopping Centers – ABRASCE – reconhecer e admitir em seu âmbito associativo um “centro comercial”.
Para que efetivamente seja realizada a cobrança do aluguel percentual, nos termos acima destacados, é de rigor constar no contrato cláusula específica prevendo que o Shopping Center possui a prerrogativa de fiscalizar as vendas do locatário, inclusive analisar os livros contábeis.
Ainda em se tratando do aluguel, outra peculiaridade é a cobrança de aluguel dobrado no mês de dezembro, também chamado de 13° aluguel, caso o aluguel percentual não ultrapasse esse valor. Isso ocorre porque é pressuposto que o faturamento das lojas dobre em virtude do natal, do ano novo e das férias escolares.
Segundo LENKE(1999, p.135), tal aluguel “deflui da organização dos centros comerciais”, mesmo porque, como destacado acima, as vendas no varejo se acentuam consideravelmente nos meses de dezembro, sendo certo que não se trata de reajuste de aluguel com base em fatores econômicos brasileiros, e sim, o resultado da experiência da atividade empresária nesta área.
Por fim, nesta modalidade de contrato, via de regra é vedada a cessão do contrato sem a anuência do Shopping, além de ser imutável o ramo de atividade varejista, somente podendo ocorrer modificação com a anuência do Locador, os projetos de decoração e instalação dependem de aprovação, e existem contratos com cláusula proibitiva de que o Locatário tenha outra loja próxima, dentro de certa distância.
Em regra geral, as cláusulas acima destacadas são as mais discutidas pelos lojistas nesta modalidade de contrato, cuja previsão foge da normalidade dos contratos de locação típicos.
3. A BOA-FÉ OBJETIVA E SUA FUNÇÃO HERMENÊUTICO-INTEGRATIVA NA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO OBRIGACIONAL
Segundo Larissa Maria de Morais Leal(2000, p. 13), a boa-fé objetiva remonta o período romano, onde estava relacionada ao termo fides, a qual progrediu da simples ideia do respeito à palavra dada a formulação de todo um sistema comportamental que passou a reger as relações econômico-sociais em razão da expansão de Roma.
A boa-fé objetiva permaneceu durante séculos sem difusão após o período romano, quando era aplicada somente a boa-fé subjetiva, vindo a ser taxativamente prevista somente no código napoleônico, com aplicação módica, tendo em vista que á época o princípio não era visto como uma norma geral de conduta
Para Judith Martins Costa (2000, p.130), no direito canônico a boa-fé contrapunha-se a má-fé, representava o oposto do pecado, ou seja, entendia-se como boa-fé o respeito fiel e o cumprimento a tudo que havia sido convencionado, sob pena de caracterizar-se-á a má-fé e o pecado.
E foi somente com a edição do Código Civil Alemão, no §242, que o princípio passou a ter um maior alcance, como destaca a releitura da obra de Clóvis V. do Couto e Silva (2006, p.32), segundo a qual, havia poucos ordenamentos jurídicos que aderiram à utilização do princípio da boa-fé como cláusula geral de direito.
No Brasil, o doutrinador supracitado foi um dos primeiros a trazer a lume a discussão afeta a aplicação da boa-fé objetiva nas relações contratuais, tanto que até os dias de hoje, sua obra, denominada a obrigação como processo, é um referencial de leitura sobre a boa-fé objetiva e suas funções, contudo, fato é que a matéria passou a ser tratada tardiamente em nosso sistema jurídico.
Segundo a Martins (2014, p. 191):
“Embora já acolhida no sempre lembrado art. 131 do Código Comercial de 1950 como regra de hermenêutica dos contratos comerciais, é possível afirmar que, comparativamente a outros países, como por exemplo a Alemanha, Itália ou Portugal, a boa-fé obrigacional, ou boa-fé objetiva, chegou tarde ao Direito positivo brasileiro.”
Destaca Martins (2014, 192), que embora prevista desde os anos 60 no anteprojeto do Código Civil, somente a partir da década de 90, é eu o direito brasileiro legislativo passou a contemplá-la como regra específica, o que fez inicialmente nas relações de consumo, passando posteriormente a ser contemplada no Código Civil de 2003.
Segundo Clóvis do Couto (2006, p. 33), a boa-fé possui múltiplas significações dento do direito. Refere-se por vezes, a um estado subjetivo decorrente do conhecimento de certas circunstâncias, em outras, diz respeito à aquisição de determinados direitos. Com relação ao Direito das Obrigações, manifesta-se como máxima objetiva que determina aumento de deveres, além daqueles que a convenção explicitamente constitui.
Para Cláudia Lima Marques (2005, p.216):
Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo o pensamento no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização das partes.
Judith Martins(2014, p.209), por sua vez, destaca o princípio de forma mais específica, elencando quais suas funções e o seu campo de operatividade no direito, senão, vejamos:
“O princípio da boa-fé incide na interpretação das declarações negociais ao se infiltrar no significado das condutas comunicativas, assim como interprete na integração contratual e em sua eficácia para o controle de um conteúdo e de uma conduta ajustados a ordem jurídica. Suas três funções gerais (hermenêutico-integrativa de controle ou limitativa) estão indicadas nos arts. 113, 197, 422 do CC/2002.”
Indiscutivelmente, a tese da doutrinadora acima citada possui arrimo no entendimento dos tribunais pátrios, que tem reconhecido as funções da boa-fé objetiva, segundo as perspectivas da doutrinadora, como se pode observar abaixo:
“Reparação de danos. Manutenção de protesto indevido. Responsabilidade do credor de regularizar os dados cadastrais. Dever que decorre do princípio da boa-fé objetiva, na sua função de criação de deveres instrumentais, laterais ou anexos. Danos morais in re ipsa, que independem de prova. Recurso desprovido”. (TJRS. Recurso Cível Nº 71000795997, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 26/01/2006)
“Embargos à execução de título judicial. Consórcio Nacional Ford. Pedido de restituição de parcelas pagas. Apresentação em sede de embargos de documentos que comprovam o pagamento do valor cobrado pelo consorciado. Impossibilidade de nova cobrança. Falta de interesse processual. Valor cobrado que já foi devolvido. Análise das condições da ação. Questão de ordem pública. Possibilidade de revisão a qualquer momento. Aplicação do art. 741 do código de processo civil. Princípios da boa fé e da verdade real. recurso parcialmente provido. 1. Possível, excepcionalmente, em embargos do devedor, a alegação de pagamento ou compensação, ainda que ocorridos antes da sentença transitada em julgado. 2. Há incidência do princípio da boa fé objetiva, agora expresso no código civil, como função hermenêutico-integrativa. 3. Segundo o enunciado 25 do CEJ (Theotonio Negrão in código civil – 22ª ED., PÁG. 104)”O art. 422 do código civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”. (TJ-PR – AC: 4308925 PR 0430892-5, Relator: Carlos Mansur Arida, Data de Julgamento: 03/10/2007, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 7474)
“Cobrança. Prestação de serviços. Empreitada. Obras extraordinárias. Pelas obras extraordinárias realizadas por força de contrato de empreitada responde o comitente, que com elas consentiu ou cuja existência não poderia ignorar, quer pela interpretação do art. 619 do Código Civil, quer seja pela função limitadora da proibição do venire contra factum proprium decorrente da boa-fé objetiva e a inibição do enriquecimento sem causa. Reconhecimento do excedente ao contratado por gerente da comitente, que acompanhou a execução do contrato (CC, art. 619, parágrafo único). Administração ordinária que se insere nos poderes do gerente, vinculantes da sociedade empresária (CC, arts. 1.173 e 1.174). Sentença mantida. Recurso improvido”. (TJ-SP – APL: 01160009620088260004 SP 0116000-96.2008.8.26.0004, Relator: Hamid Bdine, Data de Julgamento: 17/09/2013, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/09/2013)
Com efeito, o caso dos autos é de análise da boa-fé objetiva a luz da sua função hermenêutico-integradora, que Clóvis do Couto (2006, p.35) já destacava em sua obra:
“Não se pode recusar a existência de relação entre a hermenêutica integradora e o princípio da boa-fé. Tal interdependência manifesta-se mais intensamente nos sistemas que não consagram o princípio da boa-fé, quer como dispositivo de ordem geral, dentro do direito civil, quer como norma geral, dentro do campo mais restrito do direito das obrigações.
(…)
Nesse processo hermenêutico, cuida-se em conferir justa medida à vontade que se interpreta, pois que o contrato não se constitui de duas volições, ou de uma oferta e uma aceitação isoladamente, mas da fusão desses dois elementos – e evitar o subjetivismo e o pscologismo a que se chegaria sem dificuldade, caso o interesse de ambas as partes não fosse devidamente considerado.
(..)
Além disso, o princípio da boa-fé revela-se como um delineador do campo a ser preenchido pela interpretação integradora, pois, de perquirição dos propósitos e intenções dos contratantes, pode manifestar-se contrariedade do ato aos bons costumes e a boa-fé.”
Ainda no enfoque da função hermenêutico-integradora da boa-fé objetiva, Judith Marins (2014, p.209) destaca que:
“Atua a boa-fé objetiva como cânone de interpretação das cláusulas e do comportamento contratual. Na valoração do comportamento (função hermenêutica) conduz, exemplificativamente, a uma exigência de coerência do comportamento contratual, de modo que o comportamento posterior das partes é apreendido como meio auxiliar de interpretação do significado da declaração negocial.
(…)
Como critério hermenêutico a boa-fé compõe-se com os demais critérios de interpretação contratual, tendo em vista apreender o significado do texto e do comportamento da causa.
É cediço em tema de interpretação contratual constituir um contrato um todo, uma totalidade de sentido, sujeitando-se a sua interpretação, por isto, ao cânone da totalidade e da coerência. Como escreveu Emilio Betti, aceitar esse cânone implica colocar em relevo o “círculo de reciprocidade hermenêutica que corre entre a unidade do todo e os singulares elementos de uma obra”. De fato, a interpretação contratual não compactua com uma perspectiva atomiada, pela qual são isoladas as singulares partes daquele conjunto a partir do qual – e apenas a partir do qual – pode adquirir um significado”.
Evidencia-se pela análise das doutrinas acima mencionadas, que em verdade, a função hermenêutico-integrativa da boa-fé objetiva nas relações obrigacionais, atua como mais uma fonte de interpretação do contrato, devendo ser aplicada em uma perspectiva ampla, através da análise da obrigação como um todo, e não somente das singularidades, destacadas da totalidade do negócio jurídico.
Com efeito, por essa perspectiva é que se objetiva no presente estudo, analisar as principais cláusulas polêmicas dos contratos de locação de Shopping Center, sem deslocá-las do todo em que se funda o contrato, contudo, sob o enfoque da aplicação da boa-fé objetiva, especificamente da função hermenêutico-integradora que ela desempenha, o que se verificará a partir de um estudo da jurisprudência dos tribunais acerca do tema.
4. AS PECULIARIDADES DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE SHOPPING CENTER ANALISADAS A PARTIR DA FUNÇÃO HERMENÊUTICO-INTEGRATIVA DA BOA-FÉ OBJETIVA, SOB O ENFOQUE DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS
Conforme foi destacado acima, a função hermenêutico-integrativa da boa-fé objetiva, consiste na utilização do princípio da boa-fé como um cânone de interpretação das cláusulas contratuais, tratando-se de uma norma geral de conduta na interpretação dos contratos, que serve como uma ferramenta a ser utilizada pelo intérprete na análise da obrigação.
Logo, a proposta do presente artigo, após destacar as principais peculiaridades dos contratos de locação de Shoppings Centers, é neste momento, trazer a colação o entendimento dos tribunais acerca da existência ou não de abusividade das cláusulas contratuais destes contratos específicos, além da doutrina mais abalizada, que subsidia a fundamentação das decisões, a partir de uma análise hermenêutico-integrativa da obrigação.
Nesta perspectiva, é relevante destacar que após uma pesquisa bibliográfica aprofundada, verifica-se que os tribunais não entendem que as cláusulas peculiares dos contratos de locação de Shopping Center citadas acima, são abusivas a luz de uma interpretação a partir da aplicação da boa-fé objetiva, pelo contrário, conforme se verá a seguir, aliás, segundo alguns tribunais o que violaria a boa-fé objetiva seria a revisão do negócio.
Como subsídio aos julgadores, destaca-se a doutrina de Orlando Gomes, já citada em vários julgados, inclusive no STJ, em voto proferido pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do Resp. 1.413.818 DF, em que citou o seguinte trecho da obra do referido doutrinador:
“O contrato de locação firmado entre o locador e locatário, segundo um formulário-tipo ou standard, é um contrato normativo como outro qualquer. Todas as partes nele se mantem atentas a todas as obrigações no momento da contratação, pois dele decorre não apenas a ocupação de um espaço, mas toda a estruturação de um negócio organizado e complexo. Ambas as partes – locador e locatário – são, naturalmente, experimentados negociantes, que sabem o que desejam e são juízes de seus próprios interesses. Não tem cabimento, portanto, a tutela jurisdicional para equilíbrio das duas relações contratuais entre as partes, pois não se cogita de parte mais fraca ou inexperiente”.
Na mesma linha de entendimento, está sedimentado o posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se pode verificar dos seguintes julgados:
“LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL SHOPPING CENTER Ação de revisão de contrato Nulidade de cláusulas Inadmissibilidade Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor Contrato de locação atípico (art. 54 da Lei 8.245/91) Aluguel variável, de valor mínimo, e pagamento em dobro no mês de dezembro Previsão contratual Fundo de promoção destinado à propaganda em benefício da locatária Cobrança devida Ausência de qualquer nulidade de cláusulas Benfeitorias Retenção ou indenização não autorizadas, consoante os termos avençados Perícia técnica oficial que constatou estar o valor locatício dentro dos padrões avençados, de acordo com o tipo de contrato – Recurso provido, para o fim de julgar improcedente a ação”. (TJ/SP – Apelação Cível, n.° 0016977-10.2004.8.12.0008, 33ª Câmara Cìvel”, VOTO Nº 12.778, Desembargador Relator Carlos Nunes, DJ 19 de Março de 2012).
“Ação declaratória – locação comercial – shopping center – ação civil pública entendida como declaratória – deserção afastada – discussão a respeito dos princípios de direito sobre abuso do poder econômico, contrato de adesão, boa-fé, e outros, para afastar a cobrança do aluguel em dobro no mês de dezembro de cada ano – lojistas que assinaram os contratos por livre vontade – afastamento de todas as alegações – sentença mantida – apelação não provida.” (TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado. Apelação / Locação de Imóvel nº 9182805-84.2008.8.26.0000. Relator(a): Eros Piceli. Data do julgamento: 02/08/2010. Data de registro: 05/08/2010. Outros números: 1160457/1-00, 992.08.004290-1)
Na mesma linha de entendimento já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, conforme se pode observar dos julgados abaixo:
DIREITO COMERCIAL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE LOCAÇÃO E DE CO-PARTICIPAÇÃO EM SHOPPING CENTER. RESCISÃO DOS CONTRATOS. NOVA LOCAÇÃO. PAGAMENTO DA RES SPERATA. POSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INCABÍVEL. SENTENÇA MANTIDA. 1- O empreendimento “shopping center” é constituído após estudos acirrados de aspectos mercadológicos, considerando que seu sucesso está ligado não apenas ao fato de satisfazer necessidades imediatas de consumo, mas de manter o planejamento integrado feito inicialmente, promovendo sua imagem junto ao público-alvo e, assim, a res sperata, corresponde à “importância paga pelo lojista como retribuição pelos estudos técnicos procedidos pelo empreendedor do shopping center, envolvendo pesquisas de mercado, estudos de viabilidade econômica, de projetos e de alocação do tenant mix, garantia de reserva de espaço e direito de participar da estrutura organizacional do shopping center”. 2- Não há ilegalidade na cobrança da res sperata da nova locatária da loja comercial, pois a prestação dos serviços por parte do empreendedor é contínua e desvinculada do contrato de locação anteriormente celebrado. 3- Apenas faz jus à repetição de indébito a parte que efetivamente paga a quantia cobrada indevidamente. Apelação Cível desprovida.(TJRS – Acórdão n.425385, 20060111041129APC, Relator: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, Revisor: CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 26/05/2010, Publicado no DJE: 17/06/2010. Pág.: 97)
APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. LOCAÇÃO DE LOJA COMERCIAL EM SHOPPING CENTER. INAPLICABILIDADE DO CDC ÀS RELAÇÕES LOCATÍCIAS. O contrato de locação se rege por legislação própria que regula a relação jurídica e não comporta a incidência do CDC, prevalecendo as cláusulas estipuladas, ainda que contrárias à legislação consumerista. FUNDO DE PROMOÇÕES. DÉCIMO TERCEIRO ALUGUEL. Caso concreto. Pacto que deve ser cumprido nos termos propostos, pois não configurada a abusividade alegada. RECONVENÇÃO. PROCEDÊNCIA. INADIMPLEMENTO COMPROVADO. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70051587749, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 14/08/2013)
Da jurisprudência acima destacada, verifica-se que os tribunais pátrios têm entendimento firmado no sentido de inexistir abusividade nas obrigações firmadas entre os Shopping Centers e os lojistas, uma vez que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor nessas relações contratuais, conforme se pode verificar dos julgados cujas ementas foram transcritas acima, e por se tratar de uma relação entre particulares, em regra empresários, o que afrontaria a boa-fé objetiva seria o descumprimento das cláusulas pactuadas e não o seu conteúdo.
Neste sentido, é relevante destacar trecho do voto proferido pelo Desembargador Marcus Tulio Sartorato, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que ao julgar o recurso de Apelação de n.° 2011.011567-3, no dia 14 de Junho de 2011, entendeu o que segue:
“A falta de adimplemento dos alugueres e dos encargos previstos nos contratos culmina no insucesso do Shopping, que utiliza tais verbas para injetar promoções e divulgar o empreendimento, e, consequentemente, afeta todos os participantes do condomínio.
Torna-se perceptível, por parte do autor, a ausência de um comportamento objetivo que pudesse contribuir para a estabilidade do contrato, de modo que ele pudesse ser cumprido em sua integralidade.
Denota-se, portanto, que não houve respeito aos deveres contratuais de confiança e eticidade, quebrando-se, dessa maneira, a boa-fé objetiva contratual.
No que toca ao exame da boa-fé objetiva, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho expressam o seguinte entendimento:
Em uma dada relação jurídica, presente o imperativo dessa espécie de boa fé, as partes devem guardar entre si a lealdade e o respeito que se esperam do homem comum.
Com isso, queremos dizer que, livrando-nos das amarras excessivamente tecnicistas da teoria clássica, cabe-nos fazer uma releitura da estrutura obrigacional, revista à luz dessa construção ética, para chegarmos à inafastável conclusão de que o contrato não se esgota apenas na obrigação principal de dar, fazer ou não fazer.
Ladeando, pois, esse dever jurídico principal, a boa fé objetiva impõe também a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção, não menos relevantes, a exemplo dos deveres de lealdade e confiança, assistência, confidencialidade ou sigilo, confiança, informação etc.
Tais deveres – é importante registar – são impostos tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo da relação jurídica obrigacional, pois referem-se, em verdade, à exata satisfação dos interesses envolvidos na obrigação assumida, por força da boa fé contratual (Novo curso de direito civil. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 66-67).
Esse, aliás, é também o posicionamento da jurisprudência:
[…] Da boa-fé objetiva contratual derivam os chamados deveres anexos ou laterais, tais como, dever de cuidado em relação à outra parte negocial, dever de informação, dever de confiança e respeito recíprocos, dever de lealdade e probidade, dever de colaboração e cooperação, ou seja, uma série de condutas éticas de ambos contraentes, que se não observados gera a violação positiva do contrato e sua conseqüente reparação civil independente de culpa (TJMT, AC n.º 105973/2008, de Rondonópolis, rel. Des. José Tadeu Cury, j. em 17-11-2008).
Quando assinou o contrato, o autor tinha conhecimento das cláusulas previstas neste instrumento e anuiu com elas, não podendo agora, após ser processado pelo réu, por inadimplemento, alegar que a culpa da mora é do shopping, que não cumpriu com o previsto no contrato.
O Judiciário não pode ser conivente com este tipo de comportamento malicioso, pois estaria infringindo o princípio basilar que rege a relação contratual: a boa-fé.”
Logo, da análise do voto acima transcrito, que acaba por transcrever o moderno entendimento acerca da legalidade das cláusulas firmadas nos contratos, verifica-se que a jurisprudência acaba por firmar-se nos termos da doutrina que entende que o artigo Art. 54, da Lei do Inquilinato, que prevê que: “Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center , prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”.
Ademais, existe um enfoque no fato de que os Shoppings Centers garantem uma estrutura atrativa aos consumidores, que se dirigem até estes empreendimentos em razão das comodidades oferecidas, e acabam por realizar compras nas empresas locatárias, que exploram atividade varejista, sendo considerada contrária a boa-fé a pretensão do lojista de tentar justificar a inadimplência através da alegação de abusividade das cláusulas contratuais que livremente pactuou.
Neste sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, senão, vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. SHOPPING CENTER. CUMULAÇÃO COM AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. INVIABILIDADE. O pedido de prestação de contas, com rito próprio, deve ser deduzido em ação autônoma, ante a impossibilidade de cumulação com ação de revisão de cláusulas contratuais. ART. 54 DA LEI N.º 8.245/91. Prevalência das condições livremente pactuadas no contrato de locação entre o lojista e o shopping center, para que o empreendimento sobreviva. Relação contratual que admite cláusulas atípicas, restritivas, em compensação aos benefícios trazidos pela estrutura do shopping, como a segurança, o lazer e prestação de serviços, que o empreendimento oferece. Art. 54 da Lei n.º 8.245/91. CLÁUSULAS ABUSIVAS. Liberdade contratual prevista no art. 54 da Lei n.º 8.245/91, que não pode afrontar preceitos constitucionais ou legais. Preliminares de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, e de não conhecimento da apelação (art. 514 do CPC), rejeitadas. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70064778517, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 18/06/2015).
Logo, na perspectiva do entendimento dos tribunais, verifica-se que as cláusulas peculiares dos contratos de locação de Shopping Centers, em que pesem garantir uma maior onerosidade ao contrato e rentabilidade ao empreendedor, pelas particularidades da relação, não são consideradas abusivas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente trabalho foi verificar a existência ou não de abusividade nas peculiares cláusulas contratuais previstas nas relações firmadas entre lojistas em Shopping Centers, a partir da aplicação da boa-fé objetiva e de sua função hermenêutico-integrativa, na perspectiva do entendimento dos tribunais pátrios.
A análise permitiu evidenciar que, os tribunais pátrios entendem que a Lei do Inquilinato possibilitou nos termos do artigo 54, que fossem previstas cláusulas específicas nos contratos de locação firmados entre lojistas e Shopping Centers, o que se justifica pelas peculiaridades da relação obrigacional firmada entre as partes, tais como a garantia de segurança, entretenimento, dentre outros atrativos disponibilizados aos consumidores.
A pesquisa jurisprudencial realizada, permitiu concluir que a aplicação da função hermenêutico-integrativa na perspectiva da interpretação das cláusulas contratuais dos negócios firmados entre Shopping Centers e lojistas, acaba por ser mais uma ferramenta interpretativa da referida relação contratual, que é utilizada como fundamento para justificar a legalidade das peculiaridades constantes neste tipo de relação obrigacional, de modo que, não há que se falar em abusividade em hipótese alguma, com exceção de eventual caso concreto que fuja a regra estudada.
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SÃO PAULO. TJ/SP – Apelação Cível, n.° 0016977-10.2004.8.12.0008, 33ª Câmara Cìvel”, VOTO Nº 12.778, Desembargador Relator Carlos Nunes, DJ 19 de Março de 2012.
SÃO PAULO. TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado. Apelação / Locação de Imóvel nº 9182805-84.2008.8.26.0000. Relator(a): Eros Piceli. Data do julgamento: 02/08/2010. Data de registro: 05/08/2010. Outros números: 1160457/1-00, 992.08.004290-1.
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Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Uniderp-Anhanguera, Especialista em Direito de Família e das Sucessões pela Escola Paulista de Direito e graduado pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Contato: douglas.oliveira@ova.adv.br