A Lei nº 13.874/2019, chamada de Lei da Liberdade Econômica, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 20 de setembro de 2019, sendo criada a partir da Medida Provisória Nº 881/19, e já está em vigor há quase 02 anos, contudo, ainda existem muitas dúvidas quanto a sua aplicação prática e os seus principais reflexos na atividade empresarial.
Referida Lei, entrou em vigor com o intuito de promover garantias de livre mercado, de forma simplificada e menos burocrática, para incentivar a atividade empresarial no país.
Conforme prevê já o art. 1º, § 1º, a norma será aplicada na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico, do trabalho e nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de abrangência, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente, com exceção do direito tributário e o direito financeiro (art. 1º, § 3º).
É importante destacar, que a Lei, detalha e consagra o que já está disposto na própria Constituição Federal de 1988, mais especificamente no art. 170, que estabeleceu a Ordem Econômica Constitucional, prevendo os direitos de liberdade econômica, baseados no trabalho humano e na livre iniciativa, visando o crescimento econômico do país, a livre concorrência, a defesa do consumidor, do meio-ambiente e, seguindo os pressupostos de garantia da propriedade privada e, da função social da propriedade.
Nas relações empresariais, a Lei da Liberdade Econômica realizou profundas mudanças. A simplificação da atividade empresarial, com a desnecessidade de atos públicos para autorizar determinadas atividades econômicas de baixo risco, é um traço relevante da Lei, que também consagrou a utilização da tecnologia na atividade empresarial, sendo autorizado inclusive o armazenamento de documentos em meio eletrônico ou semelhante, sejam eles públicos ou privados, com o mesmo valor do documento original físico, após verificação de autenticidade.
No que tange à possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, a Lei tornou o critério mais objetivo, estabelecendo a obrigatoriedade de desvio de finalidade das empresas, quando o dolo do agente for provado e, a confusão patrimonial nas situações em que não houver a separação dos bens empresa do patrimônio dos sócios.
A desconsideração da personalidade jurídica, possui como pressupostos a responsabilização dos sócios e administradores, pelas obrigações da pessoa jurídica, nas hipóteses acima mencionadas, assim como a responsabilização das pessoas jurídicas pelas dívidas dos sócios, na hipótese de desconsideração inversa.
No que se refere aos contratos empresariais, a Lei impôs a observância dos limites da função social dos contratos e da liberdade contratual, estabelecendo que a exegese dos negócios jurídicos deve acompanhar os costumes e ações do mercado, devendo os contratantes atuar com probidade, desde a formação do contrato, até o cumprimento total das obrigações, devendo em todas as fazes do processo obrigacional, agir com boa-fé.
Com efeito, restou instituída também a liberdade de exercício das atividades econômicas, a partir da previsão de que as empresas possuem o direito de estipular os preço dos serviços e produtos em mercados que não houver regulamentação, em observância a boa-fé.
Em relação a discussão sobre a interpretação dos contratos, a Lei alterou o Código Civil/2002, para estabelecer que valerá a interpretação mais benéfica à parte que não redigiu o contrato, se identificável. No caso de lacunas no contrato, a norma prevê que os entes da relação contratual poderão, entre si, analisar e escolher as formas de preencher esse espaço, afastando o subjetivismo do juiz ao interpretar o contrato. Ademais, nas relações empresariais, foi garantida uma maior liberdade para pactuação, com estabelecimento de mínima intervenção estatal na interpretação dos negócios jurídicos empresariais.
A Lei também inovou, ao criar a sociedade unipessoal limitada, isto é, apenas uma única pessoa poderá ser sócia de uma empresa (art. 1052, § 2º), optando inclusive pela sociedade limitada, que separa o patrimônio da pessoa física da jurídica, dificultando o comprometimento do patrimônio do sócio, com obrigações da empresa, excetuando-se, as hipóteses de fraude, já tratadas acima.
Como ponderado, passados quase 02 anos do início de vigência da Lei nº 13.874/19, se pode concluir que ela é um marco legislativo importante para o fomento da atividade econômica, posto que positivou a simplificação e desburocratização do exercício da atividade empresarial no Brasil. Além disso, a Lei propôs a modernização do sistema de armazenamento de informações, situação que traz benefícios ao meio ambiente e menor custo para as empresas. Igualmente, a Lei protege os investidores e empreendedores, dificultando a desconsideração da personalidade jurídica e criando a sociedade unipessoal, além de preceituar que os negócios jurídicos empresariais devem ser realizados de maneira mais flexível e interpretados de acordo com os costumes, com as normas de mercado e, com mínima intervenção do Estado nessas relações particulares.
Douglas de Oliveira, Mestre e Doutorando em Direito Empresarial, Advogado, sócio do escritório Oliveira, Vale, Securato e Abdul Ahad Advogados.