Em meio a pandemia do COVID-19, que tem afetado o Brasil e o mundo, no dia 06 de fevereiro de 2020, o Presidente da República sancionou a Lei 13.979/2020, por meio da qual dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus.

Na referida Lei, foram estabelecidas várias medidas a serem adotadas pelas autoridades públicas no âmbito de suas competências, dentre as quais se destacam: o isolamento social; a quarentena; restrição na entrada e saída do país, na locomoção interestadual e intermunicipal, dentre outras.

Em seguida, por meio do Decreto N° 10.282/2020, no dia 20 de março de 2020, o Presidente da República regulamentou os serviços e as atividades consideradas essenciais, sobre as quais, não se aplicariam as medidas restritivas previstas na Lei 13.979/2020.

  No Decreto Presidencial, foram reconhecidas como essenciais dezenas de serviços e atividades indispensáveis ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade, assim consideradas aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, portanto, não seriam afetadas pelas restrições previstas na Lei que reconheceu a emergência em saúde.

Ocorre, que por disposição constitucional, nos termos do Art. 23, II, da CF/88, a competência para legislar em matéria de saúde pública, é concorrente entre os entes federativos, ou seja, entre a União, Estados e Municípios.

Desse modo, diante do delicado momento vivido no país, a União, os Estados e Municípios estão adotando inúmeras medidas visando à saúde nacional, evidentemente, que com as melhores intenções, no entanto, muitas delas, contraditórias entre si, que sequer tem respeitado a manutenção dos serviços e atividades essenciais.

Em um campo tão aberto, para que não existam contrariedades em medidas adotadas entre os entes federativos, deve existir simetria na atuação, diretrizes claras, especialmente pautadas no respeito por evidências científicas, análises de informações estratégicas, evitando-se, tanto quanto possível, disciplinas normativas locais desarrazoadas.

Embora o Supremo Tribunal Federal já tivesse em outras oportunidades, firmado entendimento no sentido de não permitir ao legislador municipal ou estadual, inaugurar uma regulamentação paralela e contraposta à legislação federal vigente em situação análoga, a matéria voltou a ser discutida em razão da pandemia do coronavirus.

Recentemente, ao proferir decisão na ADCT 6.343 – DF, o Ministro Marco Aurélio, do STF, estabeleceu que: ”Ante pandemia, há de considerar-se a razoabilidade no trato de providências, evitando-se, tanto quanto possível, disciplinas normativas locais.” O Ministro ainda acrescentou que a restrição a locomoção nos Estados e Municípios deveria ficar centralizada na União, entendendo ser inviável a descentralização.

Durante a pandemia, vários têm sido os casos de intervenção do Poder Judiciário, para o fim de garantir o respeito aos serviços e atividades essenciais, destacando-se os seguintes casos que repercutiram nacionalmente: a) decisão que autorizou a JBS e a Seara a continuar desenvolvendo suas atividades em Santa Catarina; b) Determinação do retorno do transporte coletivo e por aplicativos em Rondonópolis/MT, após decreto municipal suspender atividade considerada essencial; c) Restabelecimento do transporte rodoviário interestadual de passageiros em Goiás, após o Estado restringir as atividades.

Recentemente, o Jornal – Valor Econômico, noticiou um caso de Mato Grosso do Sul, envolvendo as Usinas Biosev S.A e Agro Industria Santa Luzia, que em razão de um Decreto do Município de Rio Brilhante, que suspendeu a circulação de pessoas por meio de transporte coletivo, tiveram restrição no desenvolvimento de suas atividades, diante da proibição do transporte de seus colaboradores e prestadores de serviços, que são mais de 5.000.

Ocorre, que as referidas Usinas, desenvolvem atividades consideradas essenciais, pois são produtoras e comercializadoras de combustíveis, energia e açúcar, estando, portanto, autorizadas a manter suas atividades, sem qualquer medida restritiva, especialmente porque o Decreto 1.282/2020, no art. 3°, V e XVII, resguardou o desenvolvimento de suas atividades.

Por isso, as Usinas ingressaram com um Mandado de Segurança em face do Prefeito Municipal, que editou o Decreto que suspendeu o transporte intermunicipal.

O TJ/MS, em decisão de lavra do Juiz Luiz Antônio Cavassa de Almeida, autorizou a continuidade do transporte coletivo municipal em relação às Usinas, devendo ser respeitados os planos de contingencia apresentados pelas Usinas.

O Magistrado fundamentou sua decisão, no fato de: “O transporte dos colaboradores e prestadores de serviços para as Usinas se dar por meio de transporte privado; as Usinas desenvolvem atividades consideradas essenciais, por produzirem combustível e energia, e serem responsáveis pela produção de 26% do mercado de Consumo do Estado de Mato Grosso do Sul; possíveis reflexos econômicos que poderiam advir dos prejuízos aos mais de 5.000 colaboradores; a apresentação de plano de contingência pelas Usinas; e por fim, a ausência de casos confirmados de Coronavirus no Município.

Portanto, a decisão supracitada, está na mesma linha do que vem sendo decidido pelo STF durante a emergência de saúde pública, decorrente da pandemia do coronavirus, considerando que embora a competência para regulamentação da matéria de saúde pública seja concorrente entre os entes federativos, deve haver simetria e deve ser respeitada a legislação federal, devendo os demais entes, regulamentar a saúde pública a partir de medidas que atendam a razoabilidade e a proporcionalidade e seja adequada ao cenário local.

DOUGLAS DE OLIVEIRA SANTOS Advogado, Professor, Mestre em Direito Empresarial, sócio do Escritório OVSA Advogados S/S, Conselheiro Seccional da OAB/MS.

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